24.10.10

Domingo, sua capacidade de desânimo me anima.

No final da tarde, as pessoas voltam para suas casas, a maioria caminha de um jeito engraçado, se expremendo em latas de ferro, com alguns espaços pra não matar de asfixia. Algumas se cumprimentam quando se cruzam, mas isso é raro. Pouquíssimas sorriem. A maioria carrega um semblante sério, como se aquela cara inexpressiva fosse realmente necessária à vida urbana. Lembro dos filmes velhos dos anos vinte, "fim de semana no parque", um monte de gente branca sorrindo falsamente. Nesse ambiente, existem os pais que pagam uma empregada pra levar seus filhos porque acham que não tem tempo pra eles e os pais que se dispõem a levar seus filhos pra poderem, na verdade, tomar conta das empregadas. O problema é esse clima neutro das cidades, faz parecer que se você é um cafetão ou um empresário, não faz diferença nenhuma, desde que, no fim da tarde, você force uma cara de bunda e ande procurando um jeito de evacuar do grande centro. Às quartas, uma feira se materializa na frente do apartamento em que vivo. As pessoas ali são um pouco mais pessoas, o espaço de convivência força senhoras que já passaram da sua juventude a muito tempo a se acostumarem com o cheiro de cânhamo vindo de trás da barraquinha que vende verdura, isso deve ser o que chamam de cosmopolitismo. Os jovens procuram tetrahidrocanabinol, os velhos procuram tetrahidrocanabinol, afinal, que velha não compra alface na feira? Há outros que circulam correndo ou caminhando a feira, os fisioculturistas do tempo moderno, sem hipertrofia. Quem não quer uma vida saudável? A geração saúde sonha em ter setenta anos e poder comprar alface a pé, sem ajuda de andador ou da Suelly, que ganha 600 reais pra ouvir a Dona Carmélia reclamar de dor nas pernas todo dia. Os feirantes já tem uma postura completamente diferente, são medievais. Com plaquinhas ou aos gritos anunciam o preço e qualidade das mercadorias, não estão preocupados com a velhice ou com a juventude. Vivem uma vida adulta coerente com os valores cristãos, preocupados em não ter pensamentos incestuosos ou pedófilos e, não poderia faltar, ganhar dinheiro. Tem os japoneses que vendem pastel, e todo mundo compra, já que pra se conquistar o status quo na feira, o pastel é imprescidível. Só os mais aventureiros ou duros se arriscam com o espetinho de carne. E as pessoas que comem espetinho são mal vistas até pelas velhas do alface, quando a gente menos percebe, o sistema de castas das feiras é preconceituoso e arcaico, também. Mais acima, crianças escorregam no barranco gramado, talvez sejam as mais felizes, por serem as menos preocupadas com o espetinho de carne, o pastel, ou o alface. E elas escorregam o tempo todo, num círculo vicioso que injeta adrenalina nas veias fininhas e sensíveis delas. As crianças vão ser sempre um mistério indecifrável. No fim da feira, lá pelas dez da noite. Os feirantes dismancham suas barracas, satisfeitos com suas várias vendas e a cabeça livre de idéias pecaminosas. As velhas já sumiram a muito tempo, Suelly está terminando de limpar a casa, a sua casa, agora, os fisioculturistas não arriscariam um assalto a essas horas, as crianças se preparam pra dormir, depois de tomar banho e estarem cansadas. Sobra mesmo, os jovens da maconha, o thc deles é consumido no local e, por hora, eles estão tranquilos demais pra ir embora. Feirantes, consumidores, velhas, Suelly, crianças, saudáveis, drogados, não importa. Na feira, a alface é sempre verde, e a berinjela é igual pra todo mundo.
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Meus domingos, como sempre, produzindo tédio. Acordei e a única perspectiva de fazer alguma coisa até às 19 horas, além da minha barba, era escrever algo mais competente que meu último post. Como tinha certeza que não ia conseguir escrever sobre amor ou sobre qualquer coisa triste que costumo escrever, decidi começar do zero, ou do tédio. Pra isso, arrumei uma banda beeeem entediante, Ambulance Ltd. Destaque especial ao tédio de Young Urban. Vô aproveitar pra agradecer ao blog Indie 'N Roll, que me arranja uns albuns de bandas de uma alternatividade quase insuportável. Um bom domingo pra quem lê, beijos e mais beijos.

3 comentários:

  1. os jovens da maconha (você)

    depois dessa, vai dizer que domingo não é mágico?

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  2. realmente num domingo o que mais se pode pensar em fazer do que escrever coisas digamos interessantes no blog....afinal o domingo é um dia pra ficar dormindo e pensando em inutilidades hahahaah

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  3. 1 - então, amanda, eu não posso começar a olhar com bons olhos os domingos, porque se não o tédio de costume não rola. e eu preciso dele!
    2 - é, mayra, domingos são dias perdidos (ou não).

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