2.11.10

Chico e o amor que leva ao abismo.

Hoje a parte debaixo vai ficar em cima. Tomei benflogin às dez da noite passada, não dormi, bebi muita cerveja, e a maioria tava quente. Cheguei em casa seis horas, fiquei deitado na cama, saí pra fumar uma vez, e quando levantei de novo, eram oito e meia. Pelo menos o tempo passou voando dessa vez. Vou tentar escrever alguma coisa que eu tava pensando enquanto espremia laranjas pra um suco. E acho que vou acabar falando de laranjas, suco e qualquer coisa que todo mundo tem em comum. Cara, só leiam se vocês gostarem de mais de laranjas. Ficou enorme.
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João Francisco Azevedo, Chico. Acorda mal humorado, só pra dar uma contrariada, escova os dentes olhando pro espelho com uma morbidez de deixar qualquer um perplexo. Sorri antes de jogar a espuma fora, acha engraçado o jeito que os lábios ficam brancos. Um pouco de água na boca, bochechar, joga na pia. Seca as mãos com a toalha de rosto (e o rosto também). Deita, na frente de 29 polegadas de uma tela perfeitamente plana e geometricamente planejada. Desenho animado - Porra, como isso é legal - ele pensou. Depois de uma hora começou a encher o saco, não queria mais TV. Uma ideia genial se sobrepôs a todas as ideias do mundo. Suco de laranja, aquele bem laranja, mesmo, laranja de verdade, que cai do pé e era uma flor antes, laranja que não é uma romã qualquer, um abacatezinho de merda. Autênticas e originais laranjas. A um canto, havia uma bacia delas encostada na parede, sem chamar atenção. Mas Chico era esperto, e com a prática, levou seus sentidos a graus extremamente elevados no que dizia respeito ao rastreamento e captura de laranjas. No supermercado, na feira, no sítio do avô, Chico já chegava cheirando as laranjas de longe, era um rapaz de objetivos firmes. O menino seleciona de maneira imparcial laranja por laranja. Seus olhos enxergavam defeitos internos se manifestando na casca, mas de um jeito imperceptível para esses pobres humanos, e isso é o que Chico pensava. Dez laranjas eram o suficiente, pegou as de melhor qualidade possível, porque Chico era um garoto tranquilo, menos ao que tangia o assunto de laranjas, daí ele era exigente. Eita Chico, vai gostar de laranja assim lá na puta que o pariu, mano. Cortou as dez, transformando em partes que contavam vinte, cortou ao meio. (Nota do autor: Caralho, fui fumar pra pensar em como escreveria o conto e acabei filosofando com o meu cachorro). O espremedor estava ligado na tomada, Chico sabia que ele esperava ansioso por cada uma daquelas delicinhas cítricas. Dava pra imaginar o espremedor suando na mão e salivando horrores de tanta ansiedade. O jovem aproveitou mais um pouquinho de sadismo torturando o espremedor, mas não abusa, fica só na brincadeira. Quando ele pressiona a primeira metade de uma laranja na "broca" do espremedor, este solta um ronco e se põe a funcionar prazeirosamente. Um mundo de sensações se abre, e Chico não sabe se deleita-se no prazer das mãos tremendo no funcionar da máquina, da satisfação que o espremedor agora exibia, ou do suco de laranja laranja, bem laranjinho, que descia devagarzinho até a base/jarra de um dos filhos mais nobres e honrados da Walita. Aqueles foram os cinco minutos mais emocionantes que Chico conseguia escolher na memória meio fraca que tinha. Só não foi maior, talvez, que o chupar da primeira laranja lima. E Francisco, derretendo-se em prazer, termina de vez com o suco de todas as laranjas escolhidas para o sacrifício à deusa Estômago. Olha sério para o espremedor, nenhum dos dois gostavam muito de despedidas, sabiam seus respectivos lugares na casa, e sabiam, também, de toda a hierarquia que existe para que a harmonia governe, mas nem mesmo um aperto de mão, Chico? Como eu já disse anteriormente, Chico era um rapaz de objetivos firmes, e foi tão frio quanto pôde com o espremedor. Estava pronto. Eis um autêntico e original suco de laranja! Percebam sua cor alaranjadinha, ou um amarelinha, tem que falar com diminutivo porque combina com laranjas. Sintam esse cheiro, o sumo, a força de dez laranjas num copo de alumínio cheio até a boca.
Chico morreu às vinte e três e dezoito. Seu corpo foi encontrado atrás da piscina, depois de quase dez horas exposto ao clima. Ele ficou do jeito que estava, encostado na parede, um joelho levantado, outro não. Na mão esquerda, um cigarro que apagara sozinho, e pelas cinzas, indicavam que o cigarro fora esquecido pela metade, "esquecido". Na mão direita, ele, o suco de laranja, Chico que se animara tanto com o preparo, acabou por beber só um quarto. Pobre, Chico. De começo, ninguém tinha a mínima ideia de porque Chico havia morrido. Aliás, seu corpo estava completamente em ótimo estado, em seus laudos e pesquisas sobre o caso, os médicos levantaram um milhão de hipóteses diferentes, de todas as especializações possíveis, e mesmo assim deixaram uma mísera e insignificante "Morte Natural". Mas a família de Chico óbviamente não estava satisfeita, juntaram suas economias, venderam o segundo carro, e pagaram pra profissionais em descobrir coisas chegarem à solução desse mistério. Como esses caras tiveram trabalho, reviravam e viravam o quarto de Chico, faziam perguntas e mais perguntas para amigos e parentes mais chegados, até que quando o pessoal já tava estourando com os profissionais, eles anunciaram o fim de tão trágico episódio. Depois de muito pensar, só restava uma possibilidade. Chico morrera por causa de um amor, por laranjas, não correspondido.

4 comentários:

  1. interessante ele ter morrido porque eu não tava gostando dele, achei legal a parte erótica de torturar o espremedor,

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  2. ah =\ o cara gosta de laranja pra caramba. isso é legal.

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  3. esse é definitivamente o seu melhor. tipo, MESMO.

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