24.3.11

Íntimo.

Esse texto tem um destinatário próprio, então mesmo que não leiam, ninguém vai perder a amizade.
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Essa é uma história fictícia, os eventos e pessoas nela apresentados são fictícios. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

Conversa...


Lembro que a primeira vez que vi ela, não havia dormido, esperado por um bom tempo numa fila desde às seis e meia da manhã. Lembro também que antes de vê-la, tinha ido em casa pra mudar de roupa e passar desodorante, é sempre bom ser precavido. Lembro de estar me aproximando e de ver uma menina de porte altivo, com cabelos que não eram nem grandes nem curtos, e uma expressão de poder nos olhos, algo como o olhar de quem se prepara para um desafio, sempre. Lembro de tocar em seus braços com meus dedos sujos de tinta, a fim de que esses a sujassem também, e me recordo muito bem de ter pedido e, no pequeníssimo intervalo de tempo onde um silêncio misterioso quase passou despercebido, de ter sentido medo enquanto sua resposta não veio. Lembro que eu observava-a, enquanto ela pedia dinheiro para os motoristas de todo carro que parasse ali por perto, e dá pra sentir como se fosse agora, a forma determinada e sedutora com que ela caminhava por entre os carros, desprezando os caminhoneiros que se desmanchavam com seus olhares e sorrisos. Lembro muito bem de admirar isso, como se ela fosse uma das musas gregas, inspirando e deslumbrando os poucos homens de divina sorte que delas conseguem a atenção. Lembro dela indo embora com outro cara, não que ela fosse ficar com ele ou coisa assim, mas lembro que, não importando o que ela viesse a fazer, eu sentia apenas que ela ia embora com outro cara. Quando foi à noite, pensei até que ela não gostasse de meninos, pensei que, por mim, ela sentisse apenas a repulsa comum às lésbicas para com garotos da minha estirpe. Mas quando a noite se lançou um pouquinho mais adentro, lembro de pensar que as coisas não fossem bem do jeito que eu imaginava. Eu, alucinado como gosto de ficar nas festividades de grande importância, circulava por todo o território da festa procurando qualquer coisa mais interessante que os meus pensamentos, encontrando por algumas vezes olhares retribuídos por ela, olhares que talvez dissessem o mesmo que meus olhos queriam dizer. Eu, pela loucura que na hora me cabia, não conseguiria de jeito nenhum distinguir se o que constatava era fruto da verdade ou de uma mente ansiosa por romances, de qualquer forma aquele dia eu não estava no melhor estado nem para afirmar sentenças quanto à mim, muito menos, então, quanto aos outros. Lembro que no dia seguinte, perdido na falta de memória comum ao excesso, não conseguia dizer se, quando eu passava perto, sua mão realmente roçava e apertava a minha ou se essa era apenas uma tentativa da minha cabeça de tornar real um gesto afetivo que eu tanto desejava. Contei, embasbacado, aos meus amigos, mas infelizmente eles podiam tanto quanto eu dizer se aquilo que eu a eles contava era imaginário ou não. Lembro de perder alguns dos horários mais nobres do meu pensamento, nela. E de que ficava em mim uma sensação de que nem os olhares ou os toques haviam sido falsos. Tenho na lembrança, ainda, a forma como ela se portava enquanto conversava durante o intervalo das aulas. Tendo me convencido que nenhum interesse nela poderia despertar, apenas a observava reagir socialmente às pessoas, a forma como ela sorria ao falar e como seu olhar sempre conservava, em qualquer expressão, uma posição atenta, comum às pessoas que não gostam de deixar passar nada. Conservei por alguns dias esse papel de espectador, preferindo não lançar de nenhuma ação, já que ela, figura misteriosa, parecia saber tanto quanto eu que, em certas situações, é mais recomendável que se faça as coisas sutilmente. Tudo corria de uma forma não-íntima, até que nessas eventuais idas a bares depois da aula, me peguei acompanhado dela. Tentei mostrar de mim apenas o que parecia agradá-la, e acompanhava cada palavra sua, assim como ela parecia se ater às minhas. Fim de bar, mas não fim de noite, caminhávamos em direção à sua casa, o peso do que passava dentro de mim, pensava em algo como não me segurar, me atar à ela, dizer que a desejava. Não nos despedimos, surpreendemente essa garota também conservava valoroso apreço por algo de uso lícito em vários países europeus, mas que ainda não conseguiu esse avanço no Brasil. Subimos, e experimentamos de um pecado conhecido como cemitério, que consiste em bolar-se um béck com as pontas de vários outros cigarros, aproveitando assim apenas o "creme" que fica retido nos finais de todo cigarro de cânhamo. O cemitério por si só é uma bomba, misturado aos efeitos proporcionados pelo álcool, seu pensamento pula, pulsa e não pára. Lembro de olhar pra ela, e procurava dizer da forma mais sutil e gritante possível, mas sem usar de verbo algum, que a queria. Não deu certo, provavelmente ela não percebeu. Findado o ritual, ela fica em seu apartamento com um beijo meu no seu rosto, apenas, eu volto pra casa cheio de um sentimento que era um blend de raiva, vontade e frustração, frustração não por nada ter feito, mas porque nada havia a se fazer. Lembro que os dias que vieram passaram-se meio despercebidos, desviava meu interesse para outras garotas, deixando aquele possível caso como pendente, confiava na crença de que, se fosse consensual de ambas as partes, simples, aconteceria mais cedo ou mais tarde.
Mais uma das já citadas eventuais noites de bar após a aula aconteceu de sairmos eu, ela, e mais dois amigos meus. Seus olhos me traziam algo bom, haviam deixado um pouco do desafio de lado, havia, no lugar, um ímpeto, mais determinação, talvez. Eu marcava o tempo e os goles, respectivamente, no pé e na garganta, e Cronos passou num clima tranquilo, com o humor cabível a nós quatro. Fim de bar, mas não fim de noite, de novo caminhamos em direção ao seu prédio, eu queria muito que ela nos chamasse pra subir, não porque planejava alguma coisa, tenho, até mesmo, o costume de que, ao me aproximar do que parece ser "a hora certa", me enxer de pessimismo e derrota, o que já me privou de muitas cagadas, porém, provocando o mesmo efeito no que poderia ser bom mas, por isso, me vi impedido de provar. Lembro dos quatro subindo pelo elevador, falando sobre alguma coisa engraçada e descontraídos com a vida, lembro da porta se abrindo e eu observando de novo os móveis do lugar, me sentando no chão e deixando que meus olhos discretamente a acompanhassem enquanto ela gesticulava e se movia. O pino da granada foi tirado, era só questão de instantes pra bomba explodir em nossas mentes. Fumei pouco, queria a sobriedade do momento, se me envolvesse ali nos pensamentos corriqueiros à minha loucura induzida perderia toda a graça do momento. Findado o ritual, conservamos um diálogo tranquilo, até que meus amigos resolveram avisar que irião embora. É engraçado, eles nunca vão embora, um ou outro sempre acaba conservando a coragem de ficar mais um pouco. Deixei que meus olhos corressem de um a outro, numa tentativa de convencer alguém de ficar ali, apreciando mais um pouco a companhia dela. Mas, nada, um alegou ter de trabalhar de manhã, outro que estava cansado... "Você não quer ficar aqui?", ouço, paro, demora uns instantes até que eu engula. "Você não tá sendo só educada?" - "Não", sorri... sorri - "Mesmo, você tem certeza que eu não vou incomodar?", apreensivo - "Tenho, pode ficar tranquilo, eu não tô com sono", solícita. Me despeço deles, eu fico. Nos sentamos na cama, peço permissão pra tirar o tênis, cruzo as pernas, olhamos um pro outro, conversamos sobre a noite, sobre alguma coisa nossa, rimos um pouco. Ela diz que está com sono, eu pergunto se realmente não tô incomodando, ela diz que não. Ela deita, digo que nessas horas mesmo que a gente não vá dormir é legal ficar deitado, ela sorri concordando. Me deito ao seu lado, de bruços, olho-a. Começa a contagem, assunto randômico, risinhos, momento de silêncio, assunto randômico, risinhos, momento de silêncio, assunto randômico, risinhos, momentos de silêncio, assunto randômico, risinhos momento de silêncio, momento de silêncio, momento de silêncio, Beijo.
Beijo, e, da minha cabeça, um furacão toma conta do corpo inteiro. Penso no quanto ela é sedutora, e meço com meus lábios a forma como ela beija, escorrego com a língua pelo seu queixo, retorno à boca... Sinto seus braços passarem pela minha cintura e suas mãos se encaixarem nas minhas costas, faço o mesmo. Esquadrinho seu corpo com a ponta dos meus dedos, mordo de leve suas bochechas e seu pescoço. "She's so heavy". De vez em quando abro meus olhos,aprecio a forma como os seus ficam fechados e torno a fechar os meus. Num ensejo, sinto que aos poucos vou perdendo partes da minha roupa, e com ela o mesmo acontece. É quente, macio, leve, extasiante, forte, tenso. O mundo acaba, apenas nossas sensações e o barulho da respiração que imperam. É o que basta. Nossos olhos por vezes se encontram e, se não me engano, eram da mesma família dos olhares que imaginei termos trocado na festa. Sinto seu corpo se movendo com o meu e uma sensação de segurança e conquista fica cravada na mente. Acendo um cigarro, pergunta se ela vê algum problema em conversar depois do sexo, nã - ótimo. Deitada de bruço, acaricio da nuca até sua cintura, alterno com isso alguns beijos no ombro, comento alguma coisa sutil, melhor não forçar, sempre. Enquanto ela sorri, ela sorri, eu percebo que não tinha reparado até então, o quanto era bonito quando ela sorria. Deve ser perto das cinco, e ela dorme sorrindo, sorrindo...Dizem que os olhos são a janela da alma, quem disse nunca viu esse sorriso. Olho pro teto, contemplo na minha mente o que aconteceu. Me enxo com algumas duvidazinhas, como se ela gostou ou não, quais defeitos ela vira até agora, o que ela achou do meu corpo ou da forma que me comportei o tempo todo - ainda sorri. A manhã chega ostentando uma beleza que parece reservada a dias assim, de plena satisfação, quando se está só feliz, mais nada. Enquanto me vestia, tocava-a à cada peça de roupa, me despeço com um beijo. No elevador olho pro espelho, agora sou eu quem sorri. Bom dia ao porteiro, acendo outro cigarro, sorrindo. Tá difícil de engolir tudo que aconteceu, até ontem à noite eu não era a mesma pessoa. O cigarro queima suave, e a fumaça sai da boca rápido. Encontro dois conhecidos indo pro trabalho, não consigo me conter, me vejo sorrindo sozinho, bobo.
Os dias que se passaram só vieram a deixar as coisas mais fortes, o primeiro dia foi uma introdução breve do que seria. Lembro como se fosse ontem e foi mesmo, de ainda admirar o mesmo sorriso de uma simetria parnasiana, impecável. Agora, não sei o que é exatamente, não consigo prever o que acontece depois, nem quando estamos juntos. As coisas, a par do meu pessimismo, não se mostraram monótonas, ainda, pra mim. Conservo os mesmos temores do primeiro dia, ainda somos um pouco estranhos um ao outro. Mas parece que tá tudo bem. Os defeitos começaram a aparecer, mas eu acho que isso a gente vai passar tranquilo, ou não... Não sei se ando fazendo as coisas certas ou erradas, às vezes chego a nem saber como estou fazendo. Tenho medo de que tudo torne competitivo e escroto, do jeito que as coisas costumam acabar ficando, mas não importa. Tenho recebido elogios quanto ao casal que formamos e meus amigos dizem que eu perdi o "quê" de figura sôfrega que me era comum. Concordo, faz tempo que não me sentia feliz assim.
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Quanto ao texto, acho que ele é auto-explicativo. As músicas foram: , I want you, Tear you Apart, Indie Rokkers, Vow, Us, Vcr, Home e All I Need. Atenção especial pra essas últimas duas.

Espero que você goste.

13 comentários:

  1. Apenas um comentario giovane, meu o texto e as musiquinhas perfeitoo....alias a história é perfeita e melancólica , mas linda hahahaha
    bjooo

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  2. Se fosse eu no seu lugar, a moça em questão teria fingido o orgasmo e dormido babando. No dia seguinte a gente nem olharia uma na cara da outra. Sua vida é tão perfeita que dói.

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  3. É tudo uma questão de perspectiva.

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  4. Não se finge intensidade.
    Amei, pok.

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  5. concerteza é, e concordo com a juliana não se fingi mesmo essas coisas...

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  6. Como eu sempre digo: esse processo todo aí é MUITO foda hahaha
    Massa, tá muito legal de ler

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  7. Zé! brigado, cara. você precisa dar as faces por aqui de novo, da última vez que te vi me encontrava num péssimo estado mental x)

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  8. jogo tudo aí 8-)
    pelo tanto de música da pra estipular quanto tempo você demorou

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