7.6.11

O Cu do Mundo ou Como Ir do Zero ao Zero.

Era março, abril, outubro, agosto. Podia ser qualquer mês do ano, estávamos sentados no teto de uns dos blocos em construção espalhados pela universidade, fumando maconha depois de assistirmos uma palestra com o título de "Civilização ou bárbarie", era uma boa palestra e se não fosse pelo petista pedante de jeito de falar escroto que ficava pedindo gestos afirmativos com a cabeça para os outros professores da mesa, ia ser melhor ainda. A crítica era boa, um apanhado geral da violência praticada no mundo e o descaso de nós, seres não-violentos (não sei em que lugar). Como eu disse, era uma boa crítica, mas não foi o suficiente pra eu deixar de pensar que a razão é só um instrumento do instinto. Sabe, os tubarões tem milhares de dentes, os jacarés uma mordida desgraçada, as vacas, uma carne boa de comer, nós temos a racionalidade que permite que façamos objetos que mordem, rasgam e matam com uma facilidade admirável, digna de livros. Mas esse não é o ponto, o ponto é que estávamos ali em cima de um bloco em construção, conversando sobre várias coisas, inclusive sobre a palestra, até que alguém começou a cantar uma música sobre uma viagem de cogumelo, e todos deram risada, era uma música engraçada, mas acho que levaram a sério demais o assunto, desliguei na parte em que o refrão era repetido pela quarta vez com o fim de que todos inalassem o humor que saía de cada verso, era engraçado, mas não era pra tanto. Deitado no concreto frio, com a cabeça recostada sobre a minha mochila, comecei a olhar o céu, mas não estava no céu, não era no céu que pensava, era num assunto, até agora, particular à Terra, a vida, ou melhor a morte. Me perdoem, de forma alguma a morte é particular à terra, muuuuuuuuuito pelo contrário, temo, temo mesmo, que vida e morte sejam as únicas leis intrínsecas de todo o cosmo. O mundo, as pedras, as pessoas, os animais, os meus professores, eu, você e a Dilma Rousseff, ou seja, todos, mesmo os robôs, se baseiam, de uma forma ou de outra, no fato de que irão morrer. Sabe, alguns até se matam por causa disso, é um assunto sério, pouca gente dá valor, não deviam mesmo. Mas eu tava nessa de discutir a vida, a morte, a minha vida, ou seja, o que eu vou fazer até me enfiarem num caixão e, por força da minha família, rezarem a porra de uma missa de sétimo dia (que já rezavam em suas cabeças), cantarem músicas velhas, fúnebres e religiosas a um ateu, enquanto o aparato de madeira em que fui enfiado é abaixado ao nível dos tão queridos sete palmos do chão. Pensando nisso, tentei traçar um paralelo compreensivo do que precisava fazer, algo que me aflige ainda agora, e naquela época, me acertava como um porrete, na cabeça, por pelo menos dois meses. Não consegui traçar um paralelo, conversei com um amigo meu, e nem era sobre isso, era sobre um outro amigo nosso, Diego, ele tem o péssimo hábito de mentir (mas não mentir pouco, mentir muito, muito-muito-muito-mesmo, sem nem um indício real de nescessidade, ele vai comprar pão e é capaz de dizer que foi comprar manteiga, só pra mentir, isso é sério), e se esse costume viesse sozinho taria tudo bem, mas não vem, vem com uma carência desgraçada, com uma vontade de ser amado, admirado, ser bonito, fazer sucesso e ter um orgasmo ao mesmo tempo. O resultado é que ele tem uma filha, anda cheio de achar que é gay (tudo bem se ele for gay, o problema é em achar isso, sei lá, parece uma outra onda que ele entrou, que nem tocar guitarra, andar de skate, fumar maconha ou beber - no final, ele não faz nenhuma dessas coisas direitos) . Pedro tentava defender ele, assumindo o fato de não suportá-lo, mas levantando a bandeira de que Diego era uma parte de nós que não queremos ver, uma parte que o mundo tenta esconder, na instiga de fingir perfeição. Eu concordava, claro que concordava, mas achava que aquele desgraçado em vez de ser posto na porra de um mural, deveria continuar tomando os remédios dele, enquanto não achava um jeito de superar o fato de ter perdido o pai com sete anos, de ter uma mãe que trabalhou a vida inteira e que por isso nunca entrou em detalhes quanto ao crescimento dele e uma irmã que com onze anos meteu um ou dois tiros lhe deixando com um pulmão pela metade. Pode parecer horrível, e é, mas não exime o fato de Diego ter dito a outras pessoas que aquele tiro ele recebeu numa viagem à São Paulo, onde num momento sombrio e heróico, fora alvejado pelas costas, sentindo apenas algo que parecia uma mordida. Eu tenho pena dele, também, todo mundo tem, até conhecê-lo e ver que problemas com o passado não são bons pra formação do caráter de ninguém, e esse é um fato lamentável. Voltando ao paralelo do que ser, Pedro e eu chegamos ao cu do mundo, isso o cu do mundo. Quando você para pra pensar em algumas coisas, desligando-se da moral, da ética em sociedade e do egocentrismo (não que eu tenha conseguido isso, de jeito nenhum - odeio essas partes que a gente tem que se enxer de ressalvas pra não parecer um convencido filho-da-puta e, mesmo assim, acaba parecendo - mas dá pra gente ter uma idéia boa das coisas quando isola esse monte de lixo que enfiaram na nossa cabeça desde criança e tenta pensar não com o "por que?" mas com o "por que não?"), você chega a um ponto onde todas as ações são legítimas, se você elimina os valores culturais, o que sobra? Acho que não existem sentidos de bondade, caráter, respeito, etc, que sejam intrínsecos, isso é velho mas, o que que a gente é pra dizer que alguém agiu errado, ou melhor, em qual pedra subimos pra se ter o direito de apontar pra uma pessoa e dizer "Vejam aquele homem! Ele vive errado!" ? Diego talvez fosse uma prova perfeita de que ao contrário do que muitos pensam, a maioria das coisas que somos não é nossa culpa. E esse é o cu do mundo, é quando você olha pro seu passado, pro seu futuro ou pro sôfrego e desprezado presente e vê que razão, sentido, compromisso e objetividade são coisas que o seu cérebro não vai conseguir sem muitos picos de ilusão. Então a cabeça vira uma enxorrada lamacenta, o finzinho dela, onde você vê móveis, sonhos, cadáveres e idéias sendo arrastados lentamente, levados, lentamente ao chão. A ética e a moral escorreram da minha cabeça, ali eu não era ninguém além de um ser apatetado, bobo por perseguir um ideal falido, achar o melhor de si, a fórmula da vida. Acho que sem religião ou algum pensamento fanático que coloque todas as pessoas em caixas com etiquetas dizendo o que elas são, eu não conseguiria. O cu do mundo.
Tinha chegado de um jeito suave e calmo, como o conhaque que eu bebericava no frio, ao limiar entre o porralouquismo e algum pensamento confuso sobre o que deveria fazer. Entrei nessa de horror por pouca coisa, era o futuro que assombrava, procurei pelo estoicismo, mas sabia que o ideal de homem colocado até agora, era machista, narcisista e com uma pitada de homossexualismo (pelo amor de Deus, percebam a escrotisse que é afirmar a heterossexualidade em cima de uma excitação pelo masculino, estabelecendo que é gay você pegar na mão de outro cara, mas não olhar o Brad Pitt como uma meta a se seguir). Não era o estoicismo, mas as respostas para o futuro, ser um homem que ganha muito mais que a galera de casa, trabalhar pouco, eu precisava assumir responsabilidades, várias delas, e o tempo me comia, o mundo era cheio de possibilidades onde só o verdadeiro esforço alcançaria. Pau no cu desse esforço. Assisti um filme, procurando por essa resposta, procurando, é verdade por mais idiota que fosse, o sentido da vida. O nome era Palermo Shooting (não recomendo, a não ser que vocês estejam numa terça feira à noite e ele estiver na televisão, vocês dois, sem ter muito o que fazer), era a história de um cara que também procurava algo como o sentido da vida e lá ele encontra a Morte, personificada num velho de cabelos brancos e olhos profundos, mas esse não era o ponto. A única coisa que realmente dei valor no filme todo e que por isso consigo me lembrar até agora é uma cena: o protagonista acorda numa árvore, pois andava à toa pelas ruas de Palermo, quando é acordado por um outro velho, com uma aparência muito dócil que me lembrou o Fiddler's Green do Sandman, ele disse uma frase, uma frase que quase peguei pra mim - "Nós devemos levar com uma seriedade mortal todas coisas da vida, menos nós mesmos." - naquela velha história de aproveitar cada momento da vida, é um clichê escroto quando você tenta por em prática, porque na verdade só usamos isso como desculpa pra quando for o caso de tomar alguma atitude precipitada, mas era isso o que precisava. Me entreguei por muito tempo a lamentos e queixas acompanhadas de observações semi-inteligentes sobre o jeito que as pessoas se comportam, eu precisava parar de pensar em viver e começar a viver, não que eu vivesse pouco mas a gente se cobra, não é ruim. Não era isso, não era isso, mesmo. Entendo o pessimismo, entendo muito bem, entendo também que as pessoas não possuem as melhores qualidades que poderíamos esperar delas, mas sabe, FODA-SE. Aquela cena, era um pouco do que eu precisava, depois descobri On the Road, que só afirmou o fato de que era isso mesmo. Lógico que não ia sair por aí despirocando (algo que eu já faço com alguma parcimônia), mas não ia fugir de casa, vender artesanato ou coisas assim, se a resposta fosse essa, tenha certeza, as pessoas já teriam isso faz tempo, mas não existe resposta e era isso que aquele maldito filme tava dizendo, era isso que minha cabeça por alguns meses tentou contrariar, nós somos vida, a nossa vida, e vamos todos algum dia enfiar nossas carcaças na terra, vamos feder, a não ser que nos cremem, vamos feder de um jeito insuportável, o cheiro de morte. Tudo isso pode parecer bem depressivo, niilista, escroto e juvenil (vá em frente, é mesmo), mas eu não queria morrer, entristecer-me já virou um pleonasmo, quanto ao escroto e juvenil, bem, é isso mesmo, eu sou escroto e juvenil. Até que nesses dias, olhando pra um ipê rosa, tentando extrair alguma coisa da natureza, a única que não muda, percebi que as árvores são umas das coisas mais misteriosas do universo, nos ramos floridos com pompons rosados percebi que todas as respostas que eu poderia tirar dali, as respostas exatas, eram biológicas, matemáticas, físicas, como já disse, eram exatas. Assim, as coisas humanas eram dotadas de um sentido muito sublime e bonito, nenhum, ou melhor, todos eles. Nesse mundo que é tudo, acendi um cigarro, tinha coisas a fazer, noites a dormir, mas o que era mais importante, eu respirava e olhava praquele ipê rosa como se fosse a coisa mais genial num raio de duzentos kilômetros, que se dane, eu não estava no cu do mundo, agora eu tinha certeza, o mundo é que era um cu.
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Finalmente consegui ter coragem pra escrever alguma coisa, mas não acho que tenha feito isso muito bem. Não tem quase nada de lírico nessa história a não ser meu eu. Esse foi um apanhado dos dias que não me senti exatamente bem, e pra falar a verdade, eles ainda não passaram direito. Os últimos meses foram tempos selvagens pra quase todo mundo que eu conheço. Tentei muito escrever, mas não fui feliz. Não tô com muita confiança de que vou voltar a escrever frequentemente, minha criatividade tem andado uma merda. Esse texto foi digitado ligeramente bêbado, mas sem música nenhuma. Mas recomendo The Black Angel's Death Song do Velvet Underground, que é uma das músicas mais chapadas que eu conheço. Sem mais

5 comentários:

  1. Acho que os ultimos meses só se mostraram mais selvagens do que o normal e, é tolice achar que houveram ou que virão tempos de paz, a selvageria tende só a piorar.

    E esse texto está muito diferente de peito de peru!

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  2. Sinto um grande espaço entre nossos estilos de escrita, acho que você consigue dar um ritmo mórbido para o que escreve, enquanto me preocupo mais em ser talvez mais direto. Não sei ao certo, mais tem um certo misticismo no seu jeito de escrever que me surpreende e as vezes até me assusta!

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  3. Cheiro de morte, realismo, morbidez, amigo a cada dia tudo fica mais e mais louko e estranho, seu pensamento diz muito sobre o que a maioria das pessoas tenta esconder com seus afazeres e não conseguem admitir, que é viverem num mundo absurdamente surtado e doente...inspiração para escrever a meu amigo digo que você me surpreende a cada dia!!!!

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  4. brigado, mayra. você sempre comenta coisas que agradam meus olhos ao ler.

    é porque bukowski estava em você antes de você saber quem era bukowski, paulo!

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  5. pensei ter lido dor de garganta ao invés falta de confiança, preferi que você estivesse com falta de confiança...
    nooooossa, que tenso, você jogou mesmo
    conhaque, somado a chão, escuro, cigarro, dor de cabeça e frio, não é a toa que inverno vem de inferno o.o
    And there were future reflections
    On the face and the hands
    [...]
    Is the cost to stay lost
    Forever in an empty skin
    Pale and thin
    [...]
    And remember what it felt like
    To be alone
    Sitting in the sunlight

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