26.7.10

Segunda-feira, e um bom jeito de começar a semana.

E ele arrancou os últimos pedaços de auto-piedade do corpo e colocou as mãos sobre a vela, a fim de que lhe queimasse suas palmas. Fechou os olhos e sentiu a dor em silêncio, chorava por dentro enquanto o fogo tratava de consumir sua pele e seus músculos. Desse jeito permaneceu cerca de uma hora até que lhe restasse uma figura preta onde acaba seus dois tentáculos. Foi quando mais chorou, e mordeu os lábios sabendo que por dentro o horror de tudo que acontecera ainda não passara, pensou então que as mãos apenas não eram suficientes. Caminhou até a lareira, se culpando pelo desastre que ainda comia sua mente. Inflamou-a, após queimar os troncos escolhidos com minúcia e rigor a fim de que a pena fosse bem aplicada. Ajoelhou-se e estendeu os braços para que as chamas o lambessem. Não sabia o que pesava mais, se era a perda de seus braços ou da evidente perda de sua sanidade. As lágrimas jorravam de seus olhos, e tudo que podia enxergar de olhos cerrados era a triste desgraça passada nos dois últimos anos. Assim que os braços já não sangravam mais, porque no estado em que estavam, possuíam a cor de seus pulmões de fumante, percebeu que não havia ainda pagado pelos atos que cometera, não o suficiente comparada a cena desesperadora que o assombrava interiormente. Decidiu que os pés deveriam, também, servir de tributo aos seus erros. Tirou os sapatos pretos e mal engraxados, pensando em quantos um dia já cometeram o pecado recém-cometido por ele. Não conseguiu imaginar pessoas que fizessem tamanha atrocidade, dormir em paz com o peso do delito que cometeram. Conduziu os pés à lareira, que naquela situação, sorria como um carrasco maldito esperando o condenado que caminha em direção à guilhotina. O fogo queimava satisfeito com seu papel de executor. Enquanto as unhas ardiam e cravavam na pele, que amolecia com o calor do fogo. Nesse momento, já não havia lágrimas ou esperanças. Nesse ponto, ele já começou a sentir que o pagar desse crime se arrastaria a madrugada toda. E que nada mais havia a fazer a não ser, ser conivente e resignado com o que fazia consigo. Retirou seus pés quando nem o ardor fazia mais algum efeito porque seu tecido nervoso já havia sido destruído pelas chamas que dançavam vivas na lareira. Num lapso de lucidez instintiva, que tenta proteger o seu dono não importa em que situação ele esteja, pensou em parar. Mas tinha certeza que o suas mãos, seus braços e seus pés eram pouco. Sabia que precisava ir até o final, cabia somente a ele redimir o que fizera, a dívida com as vítimas de seus atos, e o valor dessa dívida, ele sabia qual era. Com os pés,os braços e as mãos carbonizados, deitou no chão. E se arrastando encostou a cabeça na madeira em brasa. Sentiu a culpa, a pena de si mesmo e o ódio pela própria existência indo embora, enquanto o que era seus olhos queimava e derretia, em seus lábios bolhas se formavam, cresciam e explodiam. O alívio e a tristeza, que nessas horas é uma companhia amiga, tomaram conta de seu corpo. E ele permaneceu deitado, imóvel, sem vida, enquanto pela janela, o sol voltava de sua viagem, trazendo luz à sala mal iluminada em que estava. Foram seus únicos e últimos momentos de calma.

Passei a tarde estudando pra uma prova que tinha amanhã na casa de uma amiga, quando cheguei em casa, tava morrendo de vontade escutar uma música do Chopin, "prelúdio em E menor". Não tenho muito o que dizer, essa música ainda é inexplicável pra mim. Descobri-a sábado e no domingo ela me destruiu por inteiro. Hoje, ela repetiu seus efeitos e me deu um pouco de inspiração. Espero que leiam.

Um comentário:

  1. Corrosivo.
    Deu-me um grande efeito sem explicação... Só queria entrar em sua mente para saber porque era preciso pagar com a vida.

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