18.8.10

Por dentro é oco.

Mateus acordou às nove da manhã, como de costume. Pensava no seu sonho, ele era criança e estava embaixo de um pé de goiaba, tinha recolhido algumas e agora as comia. Era tudo normal, mas junto da cena bucólica havia uma sensação que ele há muito não sentira. Era algo vazio, extremamente vazio, mas confortável. Ali, as pessoas não podiam lhe fazer mal (afinal, quem faria mal a um garoto comendo goiabas?). Bebeu cada gole do seu café sem pensar no gole que viria a seguir, ou que a xícara estava pra se esvaziar. O café tinha um gosto bom pra Mateus, bom porque lhe parecia o gosto da vida: forte, amarga e doce, ao mesmo tempo. Fumava à cada gole, um cigarro, e, a cada tragada, o cigarro parecia se entregar à ele. Cada vez ficando mais forte, no final dando pontadinhas na garganta, como se essas fossem seus últimos suspiros. Sentiu mais uma vez o vazio que sentira em seu sonho, e sabia que aquilo, de certa forma, lhe bastava. Mas pra Mateus, infelizmente pra ele, a vida não era apenas café e cigarros e por isso, só por isso, beber café, fumar cigarros ou comer goiabas sentado na sombra não eram suficientes. Sabia que precisava de algo mais, mas não sabia o que esse algo-mais poderia ser, e, ao tentar procurar, via que as coisas eram empurradas pra ele, sobrando poucas opções. No pior de tudo, Mateus ficara sem seu pé de goiaba, no lugar havia uma sensação de perpétua derrota, como se faltasse pouco pra tudo acabar e o tempo parasse, restando aquele desconforto que o passado causa quando nos convence que, na verdade, nada se fez de bom. Mateus sabia que era assim, mas não conseguia aceitar as coisas dessa forma, sentia pena, e, ao mesmo tempo, culpa por sentir pena. Estava sem chão. Olhava no espelho, e do outro lado tinha um ser que o imitava mesmo desprezando-o, mas ele não conseguia se irritar, porque sabia que, de um jeito ou de outro, aquele era ele. Correu pro banheiro, e dentro da caixa de remédios tinha a solução pra quase tudo, da dor de garganta aos piolhos, mas nada que pudesse suprir a falta que o desconhecido fazia. Agachou no corredor, e encostou a cabeça nos joelhos. Pensava, pensava... mas nada parecia valer a pena, tudo era o mesmo, e esse mesmo se mostrava, mesmo quando encantador, patético. Ele tinha responsabilidades, claro que tinha, milhares de coisas pra fazer, mas ali, sentado no corredor da sua casa, comer goiaba ou estudar para a prova eram a mesma coisa. Seu pior erro foi quando tentou meter o amor no meio, daí sim, as coisas se esvaziaram de verdade. Porque já fazia algum tempo que o amor para Mateus não era doce e carinhoso. Pelo contrário, era mais uma responsabilidade, mesmo sendo estranho pensar em obrigação de amor, cota de amor, era assim que para Mateus parecia. E pra ele, era o amor quem lhe devia. Por cada noite passada em branco. Cada lágrima e cada sorriso. Cada afago e cada hematoma. Ali, sentado no canto, Mateus começou, então, a acertar as contas com seus velhos amigos, a angústia, a dor, a solidão, o desespero, a satisfação e a felicidade. A cada um deles, Mateus devia sua vida, e sentia que por isso, essa, não era dele, mas desses sentimentos. Ele podia pagar. Levantou, caminhou até a sacada, olhou o céu a oito andares do chão. Sabia que pular teria o mesmo efeito que ficar na sombra da árvore, comendo goiaba, às três horas da tarde.
-
É isso, aí. Aproveitem o vazio de vocês que nem eu, ouvindo The Antlers.

Nenhum comentário:

Postar um comentário