22.12.10

Perto do Fim.

Guerra: O primeiro a surgir, existia um motivo pra tal maturidade. Era ele quem portava o estandarte e a espada. Olhos em chama. Um terror fascinante provocava a todos que sabiam ver através da retina, a substância de glória e vontade, força e ambição. Veio primeiro, pois era ele quem preparava o terreno. O que é o mundo sem as desavenças, e qual é a máxima delas, se não a guerra? Respirava lento, mas ao menor sinal de perigo, compassava-se, fazia-se livre pra dizer e pensar o que bem entendia. Era um vulcão, corria-lhe nas veias uma lava quente e pulsante, corroborando qualquer espécie de medo. Dois passos pra frente, um pra trás, era a valsa da raiva que ele dançava e, que por acaso, dançava muito bem. Nos momentos de felicidade, era, talvez, pioneiro em considerar toda e qualquer cena digna de um quadro. Mas quando era treta, meu irmão, ele batia dizendo: "Que ela venha!". Se a vida fosse um mar de rosas, ele não seria nescessário. Mas sabe qual é o pior defeito da frieza? Ela não impulsiona ninguém. E há pessoas, emotivas sim, não choronas, que tocam com os pés o inferno e dele trazem só o fogo. Podem até passar longe de qualquer pensamento além dos próximos dois minutos, nesses momentos. Mas são nesses dois minutos que qualquer situação é de pronto resolvida. Dizem que nas trincheiras não existem ateus. Guerra discorda em todos os pontos e acredita, na verdade, que as trincheiras desqualificam qualquer resistência em se acreditar no divino. Guerra é a profanação e a certeza de que todos tem um preço e, por estarem à venda, no fim das contas, valem quase sempre o mesmo.

Fome: O aperto no estômago não é nada. Não, você não sabe o que é, e provavelmente está longe de ter visto. Ganhar pelo canssaço, parece que essa é frase que vem junto a ele, que, em tom jocoso, te diz que o caminho está chegando ao fim. Desconsola e desabita, faz qualquer vontade ser pífua, mal nutrida. Em brasa, embrulha devagarinho, se associa ao suco gástrico, só pra lembrar que o pior não veio ainda. Sucessor das colheitas ruins e das lágrimas de fracasso. Se alguém já sentiu a alma sendo chupada, é porque a fome pôs seu dedo na ferida aberta pelo fio da espada. Ouve a risada de escárnio? Senta na cadeira, fica calmo, a tortura só começou. Os olhos do esfomeado sabem bem o que é. Provoca nas pessoas um misto de antipatia com coragem. Talvez porque um buraco negro se abriu na região do umbigo, então, quando isso acontece, ningue se sente muito afim de se importar com o problema dos outros. Por mais que ouça, existe uma voz gritante sussurrando no pé do ouvido: "Enforca esse otário, aí, cara?" E sabe por que você enforca o otário? Porque já virou escravo dos seus desejos, cada parte do seu corpo, mesmo aqueles porozinhos que você não dava um real de que pudessem significar alguma coisa, anseia e pede, por vezes chorosa e em outras em tom de ordem pra que satisfaça-se a gula interior. E de desejos a Fome entende muito bem.

Peste: As vontades, então satisfeitas, se mostram, na verdade, danosas e não glorificantes como se pensara a alguns outonos atrás. O líquido semi-transparente escorrendo da boca da virgem adormecida, pronto para ser chupado lábio-a-lábio, engana. Longe de ser o hidromel bebido pelos deuses do olimpo, é a pior das armas de Afrodite, Eros, ou o demônio que seja, veneno. Engarrafado, manufaturadamente pronto para seu fim, que é letal. A fraqueza dos fortes, gangrena de exércitos inteiros, senhoras e senhores, vos apresento a Peste. Pelo amor em tudo que é mais sagrado, não deixem essa carinha de inocência e cinismo enganar, ela prende. O aviso é sempre dado, mas mesmo assim, muitos ainda se surpreendem quando o corpo, fumegando em dor, e alma, frenéticamente entrando em desespero, clamam pelo último dos súplicios. Ela te incha, mata pela auto-ganância e ensina, nunca vá além do que lhe cabe. Tece suas teias e, aprendera cedo que, toda viúva-negra liquida seu parceiro após a cópula. Cópula, garanto a você, muitos não foram mais que isso pra ela, cópula. Tóxica, como escapar do mal que lhe entra pelo nariz? Irônica, propõe um acordo de duas opções: ou você não respira e priva-se de vez de qualquer último suspiro, escolhe pelo fim voluntário/involuntário (me arrisco a dizer que esse é muito pior do que se imagina) ou deixa que ela lhe tome a vida - meu bem, tenha certeza, ela irá tomar - retirando de você, devagarzinho, até o último dos suspiros.

Morte: Quando a raiva já se banhou em sangue, a angústia perscrutara e sugara toda esperança e o veneno fora destilado em pequenas quelíceras e gotejada no tumor aberto, exposto, sobra um vazio que flutua sobre a calma que só o pós-caos proporciona. Não são mais os sentimentos fortes ou o prazer imperioso, é o arrastar do vácuo, o silêncio que além de constranger, aprisiona. Andar num campo de cadáveres te proporciona vida demais. Se houve uma cultura inteira voltada pra ela, é porque não sabia com o que estavam brincando. Os cacos de vidro penetrando num pulmão anestesiado, o sopro de alma se esvaindo sem nenhum sobreaviso, nenhuma cifra paga, não se pode beber pra ignorar, não... Longe de ser o maior dos motivos de lamento, pra alguns é até alívio, mas um alívio que perfura os tímpanos, preenche a boca, satisfaz não, sufoca. A loucura, quando não era ainda o vício dos poetas, vira, só de relance, o pouco que a Morte era. Fragância que exala a dúvida, e só a dúvida, por si só, impressiona. Se é de sangue que a Guerra vive, a Morte, como fim de um ciclo, o estanca. Estaca zero. Não dita as regras, aliás, joga em outro tabuleiro, todos perdem, até a banca. Solidifica, solidicioniza, torna só. Sem nenhum predador natural, a morte se vê livre à caça, e pra isso ela não é preguiçosa. Enfia a fuça onde não foi chamada, companhia mais desagradável. Afinal, é a Morte que, quando nada restar, vai trancar as portas e engolir as chaves.

"1 - E vi quando o Cordeiro abriu um dos sete selos, e ouvi um dos quatro seres viventes dizer numa voz como de trovão: Vem! 2. Olhei e vi um cavalo branco; e foi lhe dado uma coroa, e seguiu para a conquista, conquistando. 3. Quando ele abriu o segundo selo, ouvi o segundo ser vivente dizer: Vem! 4. E saiu outro cavalo, um cavalo vermelho: e ao que estava montado nele foi dado que tirasse a paz da terra, de modo que os homens se matassem uns aos outros; e foi lhe dado uma grand espada. 5. Quando abriu o terceiro selo, ouvi o terceiro ser vivente dizer: Vem! E olhei, e eis um cavalo preto e o que estava montado nele tinha uma balança na mão. E ouvi uma voz no meio dos quatro seres viventes dizer: Um queniz de trigo por um denário, e três quenizes de cevada por um denário: e não danifiques o azeite e o vinho. 7. Quando abriu o quarto, ouvi a voz do quarto ser vivente dizer: Vem! 8. E olhei, e eis um cavalo amarelo, e o que estava montado nele chamava-se Morte, e o hades seguia com ele; e foi lhe dada autoridade sobre a quarta parte da Terra, para matar com a espada, com a fome, com a peste, e com as feras da terra. 9. E os Cavaleiros olharam por sob a Terra, e viram muitos no caminho da diversão, prostituição e violência. E isso foi legal."*
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Esse texto é sobre quatro amigos, que esperam, presos num apartamento, o dia do juízo. Onde irão causar a destruição final. Feliz Natal!

*De "TEMPLESMITH, Ben. Wormwood, Cadáver Cavalheiro - Deslizando para destruição. Vertigo. San Diego. 2007.

2 comentários:

  1. Nunca achei que eu um dia me sentiria lisonjeado pela verdade. Valeu, Giovani! Melhor presente de natal ever!

    Long live The Four Horsemen!!

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  2. guerra \o/
    que movimentado esse dia... de tédio o povo não vai morrer pelo menos... o vazio me da mais ruína =\

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